Transição económica e diversificação: Angola para além do petróleo

Pedro F. Pires - Professor - Lisboa - Portugal ·

 

Transição económica e diversificação: Angola para além do petróleo

Durante mais de quatro décadas, o petróleo foi o motor da economia angolana, símbolo de prosperidade, mas também de dependência. Representou cerca de 90% das exportações e mais de metade das receitas fiscais do Estado. Porém, à medida que os preços internacionais oscilam e as reservas se aproximam do seu limite, Angola enfrenta uma encruzilhada: continuar refém do ouro negro ou apostar, finalmente, numa diversificação económica que assegure crescimento sustentável, empregos e soberania financeira. A transição económica não é uma opção, é uma necessidade urgente.

 

O fim da ilusão petrolífera

O modelo de crescimento baseado no petróleo criou uma economia dual. Por um lado, gerou receitas extraordinárias que financiaram infraestruturas, programas sociais e a reconstrução nacional no pós-guerra. Por outro, fomentou dependência externa, corrupção e pouca competitividade. A economia tornou-se vulnerável às flutuações do preço do barril e à volatilidade cambial, o que enfraqueceu o poder de compra das famílias e a capacidade do Estado em investir de forma sustentada.

Quando o preço do petróleo caiu drasticamente em 2014 e, mais tarde, em 2020, o impacto foi devastador: a moeda desvalorizou-se, o crédito rareou e o desemprego aumentou. Angola percebeu, de forma dolorosa, que não pode viver eternamente de um recurso finito e volátil. A retórica da diversificação, antes repetida em discursos políticos, tornou-se um imperativo de sobrevivência económica.

 

Os primeiros passos da transição

Nos últimos anos, registam-se sinais concretos de tentativa de transição. O governo lançou (e muito bem) o Plano Nacional de Desenvolvimento 2023–2027, com ênfase em sectores como agricultura, pescas, indústria transformadora, turismo e economia digital. Também surgiram programas como o PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações) e o Plano de Desenvolvimento da Indústria Têxtil, Vestuário e Calçado, que procuram estimular a produção nacional.

Contudo, os resultados ainda são tímidos. A burocracia, a fraca coordenação interministerial, as dificuldades no acesso ao crédito e os custos de energia e transporte continuam a travar o investimento produtivo. Muitos empresários que desejam produzir localmente enfrentam um verdadeiro labirinto de licenças, taxas e obstáculos logísticos.

O ambiente de negócios, apesar das reformas legais, ainda carece de previsibilidade e confiança.

É inegável que há progresso. A agricultura, por exemplo, tem registado crescimento moderado e começa a atrair investimento privado. A produção de milho, café e banana tem aumentado, e o país volta a exportar produtos agrícolas para a região da SADC. Mas ainda é insuficiente. Angola possui mais de 35 milhões de hectares de terras aráveis, e apenas uma pequena parte está a ser explorada. A diversificação exige visão estratégica, mas também coragem para reformar as estruturas que perpetuam a ineficiência.

Setores estratégicos para um novo ciclo

A diversificação económica não deve ser apenas uma dispersão de esforços precisa de foco e priorização. Angola tem condições para desenvolver quatro grandes motores complementares ao petróleo:

 

  • Agronegócio e indústria alimentar:
    Angola pode transformar-se no celeiro da África Austral. Com terras férteis, recursos hídricos abundantes e clima favorável, há potencial para produzir e processar alimentos, criando cadeias de valor locais. O desafio está na mecanização, na logística e no financiamento rural. Programas de microcrédito agrícola e parcerias público-privadas podem acelerar esse caminho.

 

  • Mineração e indústrias de transformação:
    O país é rico em diamantes, ferro, cobre, ouro e minerais críticos usados em tecnologias verdes. Em vez de exportar apenas matéria-prima, Angola deve apostar na industrialização local, transformando minérios, produzindo metais e componentes. Isso exige energia estável, zonas industriais bem equipadas e políticas fiscais atrativas.

 

  • Turismo e património cultural:
    Com uma costa de 1.600 km, parques naturais, cidades históricas e diversidade cultural, Angola pode construir uma marca turística diferenciada. Contudo, é necessário investir em acessos, formação e promoção internacional. O turismo é uma indústria de contacto humano e pode gerar milhares de empregos diretos, sobretudo para os jovens.

 

  • Economia digital e inovação:
    A revolução tecnológica representa uma oportunidade para saltar etapas. Start-ups angolanas começam a despontar em áreas como fintech, educação online e e-commerce. O investimento em conectividade, formação em programação e cibersegurança pode transformar o sector num dos pilares do futuro. O Estado deve atuar como facilitador, não como controlador.

 

Reformas estruturais: o verdadeiro teste

A transição económica não será possível sem reformas estruturais profundas. Em primeiro lugar, é indispensável modernizar o sistema fiscal, tornando-o mais simples e justo, para que pequenas e médias empresas possam crescer. Em segundo, o sistema financeiro precisa abrir-se a novas formas de financiamento, como fundos de investimento e capital de risco, reduzindo a dependência do crédito bancário.

A reforma do ensino técnico e profissional também é central. Um país diversificado precisa de técnicos, engenheiros e gestores formados para os sectores produtivos. A educação não pode continuar desligada das necessidades reais do mercado de trabalho. Além disso, a luta contra a corrupção e a transparência na gestão pública são pré-condições para atrair investimento sustentável.

A descentralização económica com mais competências e recursos para as províncias é outro pilar estratégico. O desenvolvimento não pode continuar concentrado em Luanda. Províncias como Huíla, Benguela, Cuanza Sul ou Malanje têm potencial para se tornar polos agroindustriais, turísticos e logísticos. É no território que a diversificação deve acontecer, não apenas nas planilhas de ministérios.

 

Um futuro possível: Angola produtiva e sustentável

Diversificar não é abandonar o petróleo, mas usar a sua riqueza como alavanca para um novo ciclo. O desafio é converter rendas do passado em investimentos do futuro em escolas, tecnologia, infraestruturas e inovação. O petróleo deve financiar a transição, não perpetuar a dependência.

O futuro de Angola será decidido pela capacidade de transformar a sua economia rentista numa economia produtiva. Isso exige continuidade política, instituições sólidas e uma visão nacional partilhada. Não se trata apenas de reformar leis ou criar programas, mas de mudar mentalidades: substituir o imediatismo da extração pela paciência da produção.

O país dispõe de recursos, juventude, território e posição geográfica estratégica. O que falta é disciplina, coordenação e um compromisso coletivo com o desenvolvimento. Se Angola conseguir fazer essa travessia do petróleo à produtividade, poderá finalmente libertar-se da maldição dos recursos e construir uma economia verdadeiramente soberana, inclusiva e sustentável.

 

Conclusão:

A diversificação não é apenas um tema económico é um projeto de nação. Um país que produz, transforma e exporta com base no seu próprio talento torna-se mais independente e respeitado. É tempo de Angola olhar para além do petróleo e descobrir que a sua maior riqueza sempre esteve no seu povo.

 

Pedro Pires - Lisboa - Portugal