A diáspora angolana como pontes vivas para o desenvolvimento nacional

António Carlos Silva - São Paulo - Brasil ·

A diáspora angolana e os retornados: pontes vivas para o desenvolvimento nacional

Sou angolano e vivo há anos em São Paulo, uma das maiores metrópoles do mundo. Aqui, entre o concreto e o caos brasileiro, aprendi a ver Angola com outros olhos, olhos de distância e de saudade. Longe de casa, entendi que a diáspora não é apenas um conjunto de pessoas espalhadas pelo mundo: é uma força viva, com conhecimento, cultura, capital e vontade de transformar o país.

Mas, paradoxalmente, é uma força ainda pouco integrada na estratégia de desenvolvimento nacional. A Angola de hoje continua a olhar para fora como quem perdeu filhos, e não como quem possui aliados no exterior. É hora de mudar essa visão.

 

A diáspora como extensão do território nacional

A diáspora angolana é numerosa e diversa. Está presente em países como Portugal, França, Reino Unido, Estados Unidos, África do Sul e Brasil. Somos estudantes, empresários, artistas, médicos, engenheiros, empreendedores e trabalhadores comuns. Carregamos Angola no sotaque, nas memórias e no desejo de participar do seu futuro.

No Brasil, especialmente, há uma comunidade angolana ativa, aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília e na Bahia. Muitos vieram para estudar, outros fugiram das dificuldades económicas, e alguns encontraram aqui um espaço para criar e empreender. Há professores universitários que lecionam sobre África, músicos que divulgam a cultura angolana, e jovens que usam as redes sociais para aproximar os dois países.

Cada um, à sua maneira, é um embaixador informal de Angola. No entanto, a ausência de políticas estruturadas de ligação com a diáspora faz com que esse potencial se disperse. Falta-nos uma ponte institucional que transforme o sentimento em ação, o orgulho em desenvolvimento.

 

O contributo invisível: remessas, ideias e experiências

Muitos angolanos na diáspora ajudam as suas famílias através de remessas. É um apoio silencioso, mas vital, sustenta pequenas economias domésticas, paga estudos, e muitas vezes mantém negócios locais vivos. Esse é o contributo mais visível.

Mas há outro, menos medido: o capital humano e intelectual. A experiência de viver fora ensina o que os livros nem sempre mostram eficiência institucional, meritocracia, planeamento urbano, cultura de inovação, transparência. São aprendizagens que poderiam ser canalizadas para fortalecer o país.

Em São Paulo, por exemplo, é impossível não notar a força das pequenas e médias empresas na economia local. Aqui, o empreendedor é respeitado e apoiado. Há incubadoras, redes de crédito e uma mentalidade coletiva de produção. Sempre que observo isso, penso: “Por que não em Angola?” Temos talento, temos recursos, temos mercado. O que falta é um ambiente favorável, uma política que enxergue o angolano, quer esteja ele em Luanda ou em Lisboa, como parte do mesmo projeto nacional.

 

Os retornados: pontes humanas entre dois mundos

A figura do “retornado” é complexa, muitas vezes vista com ambiguidade. Há quem volte e encontre portas fechadas, burocracia e resistência cultural. Contudo, esses retornados carregam bagagens preciosas: conhecimento técnico, visão global e capacidade de inovação.

Muitos regressam com o sonho de investir, abrir empresas, formar jovens, mas esbarram na lentidão dos processos administrativos, na falta de crédito e numa cultura que, por vezes, desconfia de quem “foi lá fora”. É um erro grave.

O retornado não é um estrangeiro, é um cidadão que escolhe regressar, que aposta no país, que acredita. Ele representa a síntese entre o que Angola é e o que pode vir a ser. Cada retornado é uma oportunidade de desenvolvimento.

Seria importante que o Estado angolano criasse um programa nacional de reintegração e aproveitamento da diáspora e dos retornados, com incentivos fiscais, apoio logístico e mecanismos para valorizar a transferência de conhecimento. Países como Cabo Verde e Ruanda já o fazem com sucesso.

 

Cultura, identidade e diplomacia informal

A diáspora também é uma força cultural. Através da música, da literatura, da moda e da gastronomia, Angola projeta a sua identidade para o mundo. Aqui em São Paulo, por exemplo, muitos brasileiros conhecem Angola através do kuduro, da kizomba, da literatura de Pepetela ou Ondjaki, ou até pela culinária.

Essas expressões criam curiosidade, empatia e abrem portas para o turismo, para o intercâmbio académico e para os negócios. É a chamada diplomacia cultural,  uma ferramenta poderosa e pouco explorada.

O Estado poderia apoiar iniciativas culturais da diáspora, não apenas como eventos isolados, mas como parte de uma estratégia de “soft power”. Cultura é economia, é imagem, é influência. Uma Angola que valoriza os seus artistas e intelectuais no exterior está a fortalecer a sua soberania simbólica.

 

Desafios da integração e o papel das novas gerações

É verdade que também há fraturas. A distância cria desconfiança. Há quem veja a diáspora como elitista, desligada da realidade local, e há quem veja os que estão dentro como resistentes à mudança. Essa barreira é emocional, mas também política.

O diálogo precisa de ser reconstruído. As novas gerações, tanto em Angola quanto fora, estão mais conectadas, mais cosmopolitas e menos presas a divisões históricas. Muitos jovens angolanos em São Paulo participam em projetos de inovação, redes de voluntariado e plataformas digitais de ensino. Eles podem ser pontes tecnológicas e sociais entre o Brasil e Angola, entre a diáspora e o território nacional.

Mas, para isso, é preciso abrir canais de participação: consultas públicas online, conferências anuais da diáspora, programas de intercâmbio, editais para projetos conjuntos entre universidades e empreendedores dos dois lados do Atlântico.

A tecnologia já permite tudo isso, falta apenas vontade política e visão estratégica.

 

Repensar o conceito de desenvolvimento nacional

Falar de “desenvolvimento nacional” em 2025 exige reconhecer que Angola não se resume às suas fronteiras geográficas. O território angolano hoje é também simbólico e humano. Está em São Paulo, em Lisboa, em Joanesburgo, em Paris.

A diáspora é território, um território de ideias, de experiências e de afetos. E, se for bem aproveitada, pode ser o motor de uma Angola mais aberta, competitiva e plural. O Estado deve ver a diáspora não como um apêndice, mas como parte do corpo vivo da nação.

 

Conclusão: regressar sem sair

Viver fora é uma lição permanente de pertencimento. Em São Paulo, entre brasileiros que perguntam sobre Angola e angolanos que sonham em voltar, percebo que o verdadeiro regresso não é apenas físico, é mental e emocional.

A diáspora pode regressar todos os dias: quando partilha conhecimento, quando investe, quando ensina, quando inspira.

Angola precisa de todos nós, dos que ficaram e dos que partiram. Porque o desenvolvimento não é uma obra de um governo, mas de um povo inteiro. E esse povo, hoje, tem vozes em muitos fusos horários, mas um só coração: Angola.

António Carlos Silva

Empresário - São Paulo - Brasil