Angola no Divã do Desenvolvimento: A Premência da Formação no Setor Público e Privado
Vivemos um momento decisivo na história de Angola. A transição de um modelo económico assente na renda petrolífera para uma economia diversificada, competitiva e inclusiva é mais do que uma ambição política; é uma necessidade de sobrevivência no cenário global do século XXI. No entanto, esta transição, amplamente discutida em fóruns e documentos estratégicos, esbarra num obstáculo crítico e demasiado vezes subestimado: o profundo déficit de competências a todos os níveis da nossa sociedade. As necessidades de formação em Angola não são meramente importantes; são prementes, constituindo-se como o pilar fundamental sem o qual qualquer projeto de desenvolvimento está condenado ao fracasso, tanto no setor público quanto no privado.
O Setor Público: Da Burocracia à Gestão por Resultados
O setor público angolano, herdeiro de uma estrutura centralizada e, por vezes, pouco ágil, enfrenta desafios colossais que só podem ser superados através de um investimento massivo e estratégico em capital humano. A simples menção aos serviços públicos, infelizmente, ainda evoca imagens de processos morosos, excesso de formalismo e uma certa desconexão com as necessidades do cidadão comum. Esta realidade tem uma causa raiz: a falta de formação especializada e contínua.
Em primeiro lugar, urge formar os nossos quadros na modernização administrativa. Conceitos como governação eletrónica, desmaterialização de processos, transparência e accountability são ainda incipientes. A formação em tecnologias de informação não pode ser vista como um luxo, mas como uma ferramenta básica para aumentar a eficiência, reduzir a corrupção e aproximar o Estado do cidadão. Um funcionário público que não domina as ferramentas digitais é, hoje, um funcionário incapacitado.
Em segundo lugar, a gestão pública precisa de uma revolução conceptual. É imperativo substituir a cultura da mera execução de ordens por uma cultura de gestão por resultados e de avaliação de impacto. Os gestores públicos precisam de ser formados em planeamento estratégico, gestão orçamental, contratação pública e avaliação de políticas. Só assim os recursos do Estado, que são recursos do povo, serão aplicados com a eficácia e a eficiência que o país exige. A formação em ética e deontologia funcional é igualmente crucial para restaurar a confiança nas instituições.
O Setor Privado: Para Além do "Faz-Se"
No setor privado, a premência da formação assume contornos igualmente dramáticos. A economia angolana precisa de se libertar da dependência do petróleo e do comércio informal, apostando na industrialização, na agricultura moderna, no turismo e nos serviços de alto valor acrescentado. No entanto, as empresas, desde as PMEs às grandes corporações, deparam-se com uma escassez crónica de mão de obra qualificada.
A cultura do "faz-se", tão comum no nosso tecido empresarial, já não é suficiente. Precisamos de técnicos especializados em logística, manutenção industrial, energias renováveis e transformação de matérias-primas. Precisamos de gestores que compreendam os mercados internacionais, as cadeias de valor globais e as ferramentas de marketing digital. A formação técnica e profissional, infelizmente desvalorizada no passado, deve ser colocada no centro da estratégia nacional. Institutos médios e escolas politécnicas, devidamente apetrechados e com currículos alinhados com as necessidades do mercado, são uma necessidade urgente.
Além disso, o espírito empreendedor, tão vital para a criação de emprego e inovação, precisa de ser sistematicamente cultivado. A formação em empreendedorismo não deve limitar-se a ensinar a preencher um plano de negócios. Deve incutir competências de resiliência, gestão de risco, criatividade e adaptabilidade. O empreendedor angolano, muitas vezes por instinto e força de vontade, precisa de ferramentas técnicas para transformar a sua resiliência em negócios sustentáveis e escaláveis.
Cabinda: Um Microcosmo das Necessidades Nacionais
Falando da minha província, Cabinda, estas necessidades tornam-se ainda mais prementes. Apesar do seu potencial económico, sentimos na pele o abismo entre a riqueza potencial e a capacitação efetiva da nossa população. A formação específica para setores-chave como a logística portuária, a gestão de recursos florestais de forma sustentável, a piscicultura ou o turismo ecológico é inexistente ou insuficiente. Os jovens cabindas, cheios de potencial, veem-se muitas vezes limitados por uma oferta formativa que não responde às vocações económicas do seu próprio território. Isto é um desperdício inaceitável de talento e uma falha estratégica no desenvolvimento integrado do país.
Uma Estratégia Nacional: Urgente e Inadiável
A resposta a este desafio multifacetado não pode ser pontual ou fragmentada. Exige uma Estratégia Nacional de Qualificação e Formação de Capital Humano, desenhada em parceria entre o Governo, o setor privado e as instituições de ensino.
- Diagnóstico Permanente: É necessário criar um observatório que, em tempo real, identifique as necessidades de competências presentes e futuras em cada setor e região do país.
- Reforma do Sistema de Ensino: O ensino geral, técnico e superior deve ser reorientado para competências práticas, pensamento crítico e resolução de problemas, em estreita articulação com o mundo do trabalho.
- Formação em Serviço: Tanto o Estado quanto as empresas privadas devem instituir programas obrigatórios e contínuos de atualização e requalificação dos seus colaboradores.
- Incentivos ao Setor Privado: O Estado pode criar benefícios fiscais para empresas que invistam na formação dos seus quadros, transformando este investimento num ativo estratégico para a competitividade nacional.
Conclusão
As necessidades de formação em Angola são o elo perdido no nosso processo de desenvolvimento. Sem um capital humano qualificado, motivado e atualizado, os melhores planos, as mais avultadas verbas e as intenções mais nobres serão insuficientes. Estamos perante uma encruzilhada: podemos continuar a depender de modelos ultrapassados e de competências obsoletas, condenando-nos ao subdesenvolvimento, ou podemos encarar o desafio da formação com a coragem e a determinação que o momento exige.
Investir na formação não é um custo; é o mais estratégico de todos os investimentos. É investir na dignidade do nosso povo, na competitividade da nossa economia e na soberania sustentável da nossa nação. O tempo de agir é agora. O futuro de Angola depende da sapiência que semearmos hoje no espírito dos seus filhos.
Manuel Simões - Funcionário Público - Cabinda - Angola